As quatro cartas apresentadas na série CARTAS DO CEARÁ 2015 foram um prolongamento de minha experiência no Laboratório de Artes Visuais do Porto Iracema das Artes em 2014, onde apresentei o projeto “Residência”, minha primeira incursão nas artes visuais. Nesse projeto, busquei, em cinco telas, uma reflexão sobre um modo de estar em casa. Na maior parte das telas, eu performava pequenas ações em cômodos da casa, ressignificando o espaço da casa a partir de ações banais.
A partir de “Residência”, retornei ao projeto das cartas audiovisuais, possíveis a partir do apoio da Secretaria de Cultura do Ceará (SECULT/CE), no Edital de Incentivo às Artes/2014. Nessas quatro cartas audiovisuais, tomei como base o espaço da casa, refletindo sobre uma forma de estar em casa que respirasse uma intimidade, mas que ao mesmo tempo escapasse dos pressupostos da psicologia e da revelação da intimidade através do desvelamento de atos secretos. Desse modo, penso que essas cartas abordam a questão da autorepresentação no ambiente da casa, e as relações entre criação e vida. No entanto, não se trata de documentar minhas ações rotineiras, como uma câmera escondida. Trata-se de uma autoperformance, de um gesto performativo, que aponta para a presença de um corpo no espaço. Ainda, não se trata de desenvolver relações autobiográficas ou de vasculhar a intimidade do autor numa perspectiva subjetivista, de exacerbação do eu, mas sim uma investigação de um jogo de representações, entre mim e a casa, entre mim e o personagem de mim mesmo. Ou seja, não se busca a casa como espelho de uma intimidade psicológica do autor, como se cada objeto da casa melhor revelasse aspectos secretos de sua personalidade.
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Penso que essas cartas são, todas, performances, ainda que em algumas delas meu corpo não apareça diretamente, mas apenas o meu olhar. São obras que investigam a relação da intimidade dos espaços, e sinto que meu corpo está sempre presente nesses espaços, ainda que pela ausência. Há sempre algo que fica, pela forma como os objetos são dispostos, que me apontam para uma memória. Uma memória do que restou, do que ainda resta. De mim, dos outros, do lado de fora. A janela ainda permanece lá. A escuridão e o silêncio às vezes são minha companhia. Sinto que persisto, ainda que seja apenas ao permanecer olhando, ao permanecer habitando esse espaço. Um olhar que dura. Uma resistência possível.
As quatro cartas formam uma espécie de losango. Ou melhor, uma figura geométrica indefinida, algo como um origami esquisito, cujas dobras não se encaixam por completo. Dobradura do origami, em forma de carta. Entre a luz e a escuridão, entre o dentro e o fora, entre a presença de meu corpo e sua ausência, entre o som e o silêncio, entre o dia e a noite, entre mim e mim mesmo, entre o cinema e a vida, entre a parte e o todo, entre o presente e a memória, há sempre algo que me escapa e que talvez por isso eu prossiga arremessando essas garrafas ao mar, sem saber ao certo para onde elas irão.